Após um ano e quatro meses de ensino a distância, a rede pública do Distrito Federal da início a retomada do ensino presencial segunda-feira (4). Mais de 22.900 crianças menores de 5 anos voltaram às atividades em 122 creches vinculadas ao Ministério da Educação (SEDF). Nas escolas, a previsão de retorno é 2 de agosto, de forma híbrida. O representante da pasta acredita que, até lá, todos os profissionais estarão imunizados contra o covid-19. No entanto, apesar das expectativas, alguns educadores têm demonstrado preocupação, não só no que diz respeito às questões sanitárias.
A pandemia forçou a comunidade escolar a se adaptar ao ensino à distância. Hellen de Paula Mota, 38, é gerente-geral do Centro Comunitário da Criança - creche ligada à administração local e que funciona em quatro localidades de Ceilândia - com confiança nos preparativos para eventos remotos. Ela disse que todos os funcionários receberam a primeira dose da vacina, segundo ela. “É um misto de alegria e ansiedade. Construímos um protocolo próprio da instituição com base na experiência das escolas particulares”, explica.
Entre essas estratégias, existem algumas atividades interessantes para garantir que as máscaras dos profissionais sejam substituídas a cada duas horas. “Todos os funcionários recebem cinco mascaras de cores diferentes todos os dias, e, na troca, colocamos uma música referente à cor atual. Toda a faz a troca dos itens de proteção”, explicou detalhadamente.
As creches do Centro Comunitário da Criança atende 743 meninos e meninas de 1 a 3 anos. Darly Lustosa, 31, monitora que trabalha em uma instituição de ensino e considera o retorno presencial: "Estou muito feliz. Estamos todos preparados e ansiosos. Sentimos como se estivéssemos acalentando as crianças, depois de tanto tempo longe”, descreve a colaboradora.
Carga Horária
O filho de 1 ano e 5 meses da atendente Morgana Mendes Guimarães, de 35 anos, volta segunda (5) pra creche. Apesar de se sentir insegura no momento da pandemia, a mãe ficou feliz em voltar. “Eles (crianças) precisam de um lugar para interagir e se desenvolver com os outros. Nada se compara ao ambiente escolar. Esse período em casa foi bem difícil, apesar do apoio que a creche nos deu. Como meu filho ainda é do berçário, não pode ter acesso às telas; por isso, as educadoras não mandavam vídeos, só áudios, com sugestões e explicações das atividades aos pais. É um alívio saber que ele exercerá o direito de receber educação”, completa a moradora de Ceilândia.
Embora feliz em retomar o contato com os alunos, Vinícius Matos, 36 anos, teme que a volta híbrida possa afetar a dupla jornada de trabalho dos profissionais. "Não paramos em momento algum, o ensino à distância exige muito da equipe. Para muitas pessoas, esse é um universo inexplorado. É um desafio de atualização e aprendizagem. Aproximar-se dos alunos é importante. Algumas coisas o ensino on-line não consegue fazer”, pondera o professor, que atua em dois colégios públicos do DF.
Outro ponto relacionado a esta categoria é que a vacinação é realizada pelas regionais de ensino, portanto, muitos profissionais da educação não estão imunizados. “Nem metade dos educadores foram atendidos ainda. Não haverá retorno sem a categoria estar devidamente imunizada e (em ambiente de trabalho) com todas as condições sanitárias e estruturais adequadas”, cobra Samuel Fernandes, diretor do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF).
Coordenador de ensino integral do Centro de Ensino Fundamental (CEF) 1 de Planaltina, Marcus Martins, 65, está empolgado com o retorno dos estudantes. “O mais importante é a interação social. Ficar isolado traz consequências psicológicas e sociais”, ressalta o coordenador da escola, que atende mais de 1 mil alunos. Todos os professores do colégio receberam vacinas contra a covid-19.
Apesar da empolgação, a estudante Amanda Santos Vieira, 14, sabe que o esforço terá de ser dobrado para recuperar o ritmo no ambiente escolar. “Vai ser bem difícil aprender conteúdo novo. Ter aulas a distância é muito complicado. Vamos precisar nos esforçar bastante para pegar as matérias de ponta a ponta. Sinto que ‘pulei’ o 8º ano, praticamente, porque não aprendemos muito, apesar do esforço”, pondera a jovem, que teme pelo descumprimento das medidas sanitárias.
Ensino público no df
460 mil
Estudantes
686
Instituições educacionais
Profissionais
25,9 mil
Professores efetivos
10,5 mil
Professores temporários
8,8 mil
Na carreira de assistência
5 mil
Merendeiros, copeiros, servidores da limpeza e da vigilância
Vacinados
14.893
Com dose única
19.827
Tomaram primeira dose
218
Imunizados com duas doses
Fonte: secretarias de Educação e de Saúde do Distrito Federal
Planejamento seguro e coerente
Em termos de prejuízos, o primeiro ponto a ser considerado é a própria pandemia — para qualquer pessoa, em qualquer área, com um período de reclusão e perdas em ritmo nunca antes vivenciado. O segundo, em relação aos alunos, é a questão educativa. Estamos acostumados a lidar com o processo educacional de forma presencial. Nossa cultura é de interação face a face, e os estudantes dependem da infraestrutura da escola. Grande parte deles não teve acesso ao processo educacional no ensino remoto por falta de recursos tecnológicos e sociais. Mas um ponto positivo a ser destacado foi a mobilização das escolas, em contato com as famílias e crianças, em processos incansáveis de solidariedade e trabalho.
A responsabilidade de recuperar o que ficou perdido passa por retomar as atividades presenciais, mas é necessário que todos os públicos envolvidos estejam vacinados — não apenas os professores —, o que implica imunizar praticamente toda a população. A vacina por partes e para grupos específicos não suspende a circulação do vírus. Não adianta os educadores serem vacinados, mas alunos, pais e responsáveis, não. Assim, o contágio vai acontecer. Além do contato do estudante com a família, há alunos que se deslocam para a escola por meio do transporte público.
Ademais ao planejamento epidemiológico e sanitário, é preciso olhar para a questão pedagógica, com uma avaliação em rede entre escola e turma, para não aumentar ainda mais o “buraco” na educação, na comparação com o período pré-pandemia, quando tínhamos estudantes com níveis de aprendizagem diversos e muita distorção entre idade e série. Se não soubermos em que página está cada aluno, provocaremos um processo de expulsão deles das escolas. Não adianta juntar todos de volta, como se não tivesse havido disparidade de acesso, condições, dedicação e de estudo nesse um ano e meio de pandemia.
A partir desse diagnóstico, haverá como planejar o ciclo formativo, sabendo quanto tempo e o que tem de ser feito pedagogicamente para colocar todos os estudantes no mesmo nível. Para isso, é preciso haver ação intersetorial entre educação, proteção e saúde, considerando crianças órfãs e em situação de violência e fome, por exemplo. É imprescindível cuidar das sequelas do tempo de pandemia, e não vejo o DF fazer essa discussão para o retorno às aulas presenciais. Cuidar da educação requer responsabilidade e compromisso com a vida. E falta um planejamento seguro e coerente.
Catarina de Almeida Santos, professora da Faculdade de Educação da Universidade de
Brasília (UnB) e coordenadora do Comitê DF na Campanha Nacional pelo Direito à Educação