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Sem o contato com os amigos e privados da rotina, crianças demandam atenção dos pais para ajudá-las a compreender o que se passa no mundo
A pandemia apresentou a todos um novo mundo, e as dinâmicas da sociedade passam por uma reestruturação. Algo difícil de engolir para os adultos, mas um verdadeiro castigo às crianças, que estão privadas de suas atividades. As quatro paredes do lar representam a estimada segurança em tempos de caos. Entretanto, pode parecer uma prisão aos que não compreendem a razão de não ir além delas.
Parte determinante para a construção de um emocional saudável, a interação social é indispensável aos pequenos, conforme explica o médico psiquiatra Luan Diego Marques. “O contato humano é uma das ferramentas importantes para aquisição de sensação de realização e prazer. Quando não é desenvolvida, o indivíduo, ao observar o mundo ao seu redor, vai sentir que não possui habilidade para participar dele. Isso será gatilho para desenvolver transtornos, como depressão e ansiedade.”
O cuidado com a saúde mental merece atenção ainda maior durante momentos de estresse generalizado, como o da quarentena. “A vivência em família gera situações que se retroalimentam, sobretudo, com pais que não sabem lidar com suas emoções e servem de espelho aos filhos. Assim, privadas da rotina com os amigos, as crianças se estressam e os pais também, virando um ciclo vicioso”, detalha Luan.
Para manter as crianças distraídas, muitos pais se aproveitam da tecnologia para também conseguirem dar conta de suas obrigações. O imediatismo nas respostas do mundo virtual, porém, pode formar crianças ansiosas. “As telas têm estímulos muito acelerados, isso ajuda na liberação de noradrenalina e dopamina. Toda criança deseja estar à distância de um clique, então, ela começa a exigir respostas muito rápidas do mundo e dos pais. O que pode parecer uma saída, a longo prazo, pode gerar distúrbios de ansiedade”, explica o psiquiatra.
Saudade
A quebra repentina na rotina da criançada deixou uma enorme sensação de vazio para os que entendem o que vem acontecendo no mundo e, também, aos muito pequenininhos, que só querem um amiguinho para dividir o tempo. “Eu gosto de ir para a escola com minha professora e meus amigos. Não gosto de ficar o dia todo em casa”, contou Louise Cordeiro, de apenas 3 anos.
Louise é a filha mais nova de Yohanna Cordeiro, 28 anos, professora de inglês e educadora perinatal. “Ela tem sentido muita falta, principalmente de encontrar os amigos, e não dispõe de meios para vê-los. No grupo de pais da escolinha, nós tentamos estabelecer videochamada entre os bebês, mas, como cada pai tem um horário, não deu certo. Nós gravamos vídeos e mandamos para que cada um mostre ao filho, mas não é a mesma coisa que a interação em tempo real”, conta a mãe.
Lamentando a situação, a pequenininha diz que “não tem como brincar agora” e garante que, quando tudo voltar à normalidade, vai “brincar de parquinho e depois lanchar” com os coleguinhas. A irmã de Louise, Michelle Cordeiro, 9 anos, tem mais sorte e consegue estabelecer contato com os amigos. “Nós jogamos on-line quase todos os dias para matar a saudade e conversamos bastante no grupo do WhatsApp”, conta.
Para a psiquiatria, o momento exige constante conversa com os filhos para situá-los nestas mudanças. “O adulto lê as notícias e racionaliza. Cognitivamente, ele alcança a mensagem. As crianças, não; elas não sabem a razão de ter de ficar em casa e longe das pessoas que gosta. Ela vai perceber que está privada da socialização com os amigos, mas precisa entender o porquê”, explica Luan.
Michelle cursa o 4º ano do ensino fundamental e já compreende o afastamento social e de suas atividades. “Eu não estou gostando, mas sei que é importante ficar em casa agora. Sinto falta de pular corda, jogar bola e conversar pessoalmente. Nós estamos aguardando a pandemia acabar para fazer uma festa do pijama, ainda não sabemos na casa de quem, mas vai ter festa”, planeja, esperançosa, a menina.
Recursos
Para o psiquiatra Luan Marques, o contato entre a criançada deve ser mediado pelos pais, para que não cesse. “Adultos e crianças conversam em linguagens diferentes. Muitas vezes, somente uma criança entenderá o que a outra diz. Portanto, mesmo com a dedicação dos pais, eles não suprirão a necessidade de socializar do filho. Assim, mesmo que comedidamente, deve oferecer recursos para que eles conversem com os primos e amigos da mesma idade.”
Privado de contato com os amigos, Arthur Cassimiro, 7 anos, tem se chateado bastante em casa. “É ruim ter aula on-line, eu sinto falta de brincar com eles, sinto falta da aula, eu só quero voltar para a escola. Voltar para a natação, para o futebol e de fazer tudo isso com meus amigos.” A mãe de Arthur, Adriana de Carvalho, 28 anos, lamenta o pouco contato entre os pais da comunidade escolar. “A gente não conversa muito, então, acaba que cada criança fica para o seu lado”, diz.
Adriana faz o que pode, e dedica bastante atenção ao filho. “A rotina escolar foi mantida e eu acompanho todas as aulas para auxiliá-lo, pois ainda está em fase de alfabetização. Nós moramos em casa, então, também reservo uma parte do tempo para ficar com ele no quintal e na piscina. Apesar de estar sempre presente, ele reclama cotidianamente da falta dos amigos e da escola, pois a interação que eles têm é somente pelo chat da aula”, conta.
Esperando por dias melhores, o menino diz ter planos com os amigos para concretizar no período pós-pandemia. “ Quando acabar esse coronavírus, nós vamos convidar um para vir à casa do outro. Queremos fazer as festinhas de aniversário para comemorar e brincar juntos. Essas são as coisas que a gente gosta de fazer”, narra Arthur.
Eletrônico controlado
Seguindo o conselho de reduzir o acesso às mídias digitais pela garotada, Maurício Santos, 29 anos, tem aberto exceções à filha durante o isolamento. “Nós somos contra o uso abusivo de celular, tanto que nossa filha nem tem aparelho. Mas, como ela não pode se encontrar com os familiares e amigos, nós deixamos que ela faça videochamadas para os primos e para a melhor amiga”, diz o estudante de gastronomia.
A filha de Maurício, Manuela Gaspar, de 7 anos, uma menina que “gosta da bagunça”, segundo o pai, assiste às aulas pela internet, mesmo não gostando muito da distância da sala de aula. “A internet trava, e os slides ficam carregando. Não gosto. Eu sinto muita saudade dos meus amigos e da professora. Acaba que a gente só conversa no chat da aula, e a tia Cris (a professora) nem sempre deixa”, diz Manu.
No regresso à rotina, Manuela já planejou as brincadeiras. “Eu pretendo brincar muito de umas brincadeiras bem doidas. Quero ir ao pátio da escola, à sala de informática e à sala de artes, onde a gente pinta e desenha muito. Depois de brincar de tudo que a gente costumava, eu quero comprar um lanche e dividir com as minhas amigas. Sinto falta de me encontrar com elas e conversar”, conta.
O último conselho que Luan deixa aos pais é introduzir atividades de foco aos filhos, para acalmá-los durante a quarentena. “Há na internet uma série de meditações guiadas para a garotada, também aulas de ioga. Isso colocará a criança em contato com ela e com os pais, uma interação muito importante. Mas essa atividade nova deve ser apresentada em um momento prazeroso, assim ela associará a nova atividade a algo bom”, explica o psiquiatra.Continua depois da publicidade
De olho na molecada
A Sociedade Brasileira de Pediatria elaborou um manual para mediar o uso de ferramentas tecnológicas para as crianças. Pais devem ficar atentos:
» Crianças de até 2 anos
Não é indicado fazer uso de nenhum aparelho tecnológico.
» Crianças de 2 a 5 anos
Limitar o uso destes equipamentos para o máximo de uma hora diária.
» Crianças até 10 anos
Não fazer uso de televisão ou computador no próprio quarto.
» Adolescentes
Não devem ficar isolados em seus quartos nem ultrapassar as horas saudáveis de sono, de oito a nove horas por noite. Além de realizar uma hora de atividade física por dia.
» Crianças menores de 6 anos
Não devem ser expostas a conteúdos violentos, pois ainda não conseguem separar a fantasia da realidade. É importante monitorar a classificação indicativa do conteúdo que o filho consome na televisão, na internet e nos jogos on-line e videogame. Estimular a criança a participar de atividades em família, de lazer, educativas e de socialização familiar.
Fonte: Correio Braziliense.