Infestação de insetos é a pior em quase três décadas e acontece por fenômenos atribuídos à crise climática. Paquistão e Somália decretaram situação de emergência
O Paquistão declarou emergência nacional no sábado (1º) devido a nuvens gafanhotos que vêm destruindo plantações no leste do país. Um dia depois, a Somália anunciou o estado excepcional pelo mesmo motivo.
Esta é a pior infestação em 27 anos no Paquistão, segundo autoridades, e a pior em 25 anos na Somália, de acordo com a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura). Pelo menos outros nove países do Oriente Médio, Ásia e da região do chifre africano também têm áreas tomadas pelos insetos, como Arábia Saudita, Irã, Etiópia, Sudão e Índia.
11,9 milhões é o número de pessoas em condição de severa insegurança alimentar na Somália, Etiópia e Quênia, de acordo com a FAO. Esses são três dos países mais atingidos pela infestação.
4.850 km² é a área atingida pelos gafanhotos na Somália, Etiópia e Quênia, de acordo com a FAO, até 29 de janeiro. A área equivale a mais de três cidades de São Paulo.
LOCALIDADES COM NUVENS DE GAFANHOTO EM JANEIRO DE 2020
Mapa do leste da África e Oriente Médio com bolinhas amarelas indicando presença de nuvens de gafanhotos predominantemente na Índia, Etiópia e Quênia. Não há informação sobre a presença na Somália
Por que o gafanhoto é tão destrutivo
Essas infestações não são novidade na região e em outros lugares do mundo. O temor com relação aos gafanhotos aparece em livros religiosos como o Corão e a Bíblia.
As nuvens que atingem os países desde 2019 são formadas por uma espécie conhecida como gafanhoto do deserto, encontrada geralmente nas regiões semi-áridas e áridas da África, Oriente Médio e Ásia. Durante surtos como o atual, os insetos avançam para áreas com mais diversidade vegetal.
Cada gafanhoto dessa espécie pode consumir o próprio peso de comida em um dia. Uma nuvem de 1 km² pode ter até 80 milhões de insetos, e os agrupamentos podem chegar a ter centenas de quilômetros quadrados, o que torna o estrago avassalador.
35 mil é o número de pessoas que poderiam ser alimentadas em um dia com o que uma nuvem de gafanhotos de 1 km² consome no mesmo período, de acordo com a FAO.
192 milhões de kg é quanto de vegetação uma nuvem de gafanhotos média pode destruir em um dia, de acordo com a National Geographic.
Os animais se reproduzem com muita facilidade, e levam duas semanas até um novo ovo chocar. Após isso, é preciso dois a quatro meses para atingir a fase adulta. Ao todo, os gafanhotos vivem até cinco meses. Nesse ritmo, estimativas da FAO apontam que o número de insetos pode crescer 500 vezes até junho de 2020.
Diferentemente de muitas outras pestes, que atingem tipos específicos de alimento, os gafanhotos não fazem distinção do que consomem. Quando não há mais comida, eles se tornam canibais. Em busca de mais alimento, e com a ajuda do vento, eles podem percorrer de 5 a 130 km em um dia. Dessa forma, em pouco tempo os insetos poderão chegar à Uganda e ao Sudão do Sul, dois países vizinhos que estão entre os mais pobres do mundo.
Em infestações do passado, nuvens de gafanhotos com origem na África já chegaram até o Reino Unido e o Caribe.
A contribuição da mudança climática
Um dos principais fatores para a propagação dos gafanhotos é abundância de água, porque eles só põem ovos em solo úmido. Dessa forma, quando uma chuva forte atinge o deserto, os insetos se acasalam intensamente, desovando cerca de 1.000 ovos por metro quadrado de solo. Com maior número, os insetos deixam de se deslocar e passam a se reunir em bandos, o que também gera uma mudança morfológica: ficam maiores e, assim, consomem mais alimento.
Em maio e outubro de 2018, chuvas fortes e ciclones assolaram a região sudeste da Península Arábica. Cientistas atribuem o fenômeno à crise climática. Segundo eles, a frequência das chuvas vem crescendo desde 2014 devido a alterações no sistema geofísico IOD (do inglês, Dipolo do Oceano Índico), que controla o transporte de calor na região do Oceano Índico.
Só em 2019, foram oito ciclones no leste da África. Se a tendência continuar, novos surtos de gafanhotos podem atingir a região no futuro. O impacto do IOD também teve reflexos nas queimadas que têm atingido a Austrália desde o segundo semestre de 2019.
Segundo um estudo publicado na Nature em 2014, com o crescimento das emissões de carbono na atmosfera, a frequência IODs com essas características passaria de 1 a cada 17,3 anos para 1 a cada 6,3 anos. O cientista climático Roxy Koll Mathew, do Instituto Indiano de Meteorologia Tropical, alerta que o aquecimento das águas do oceano é outro elemento que contribui para a maior frequência do fenômeno.
CHUVAS NO LESTE DA ÁFRICA
Mapa com foco nos países Etiópia, Somália e Quênia que mostram que eles tiveram mais de 300mm de chuva a mais do que a época normalmente recebe.
Segundo Guleid Artan, do Centro de Previsão e Aplicações Climáticas, se a ameaça não for contida até o próximo plantio e estação de chuvas, que começa em março, safras recém-plantadas poderão ser destruídas antes mesmo que tenham chances de crescer.
Alguns dos países afetados ou vizinhos a eles passam por processos políticos conturbados, o que dificulta ainda mais o controle da praga. É o caso do Iêmen, que passa por uma guerra civil desde 2015, e da Somália, onde um conflito se estende desde 1991. O Sudão do Sul, que faz fronteira com a Etiópia, também enfrenta uma crise desde 2013.
O que pode ser feito para combater a infestação
Normalmente, é possível prever com um mês de antecedência a direção das nuvens de gafanhotos. Com esses dados, governos e organizações internacionais podem munir a população de pesticidas e estabelecer operações de controle aéreo, ao mesmo tempo em que estudam métodos para quebrar a densidade das nuvens.
A ONU já alocou cerca de US$ 10 milhões para o esforço, mas a FAO calcula que será preciso US$ 70 milhões para que a campanha tenha sucesso. Entre 2003 e 2005, outra invasão de gafanhotos custou mais de US$ 2,5 bilhões em perdas de colheita para 20 países do norte da África.
Um método de biocontrole a partir de um fungo também está sendo estudado. Segundo o oficial sênior de previsão de gafanhotos da FAO Keith Cressman, há uma espécie que atua apenas em determinados tipos de gafanhotos que pode ser mais efetiva e menos prejudicial à natureza do que pesticidas. A melhor prevenção, segundo cientistas, ainda é acompanhar os focos iniciais para combatê-los antes que cresçam e se alastrem.
*Com informações, Nexo Jornal