Fotos: Acácio Pinheiro / Agência Brasília
O Corpo de Bombeiros tem nove cachorros: cinco labradores, dois pastores belgas de malinois e dois pastores alemães
Se já é difícil descer uma cachoeira de rapel, apoiando-se apenas em cordas, muitas vezes em vãos livres, sem os pés terem contato com a parede, imagine com mais 40 quilos entre as pernas. É isso que os militares do Corpo de Bombeiros, especializados em resgates com cães, precisam fazer para salvar um afogado em uma queda d’água, por exemplo. O peso extra é dos cachorros usados pela corporação, treinados para o salvamento de vítimas, estejam elas vivas ou mortas.
O Corpo de Bombeiros tem nove cachorros: cinco labradores, dois pastores belgas de malinois e dois pastores alemães. Eles ficam no Grupamento de Busca e Salvamento (GBS) e ajudam os militares nas buscas por desaparecidos em matas e por vítimas em escombros causados por deslizamentos, desabamentos, terremotos e outros desastres.
Nesses casos, os cães são soltos sobre os escombros e, quando encontram a vítima, latem. Os militares marcam o local, retiram os cachorros e socorrem as vítimas. Para achar desaparecidos, eles buscam o cheiro que sentiram em um pedaço de roupa da pessoa.
“Em 2010, após o terremoto do Haiti, fui mandado, com outros 20 militares, para ajudar no resgate das vítimas. Fomos sem cães e certamente o trabalho teria sido mais fácil e mais preciso com eles”, diz o sargento Wilkerson Ferreira, que trabalha há 25 anos no Corpo de Bombeiros e há dez no canil.
Ele afirma que os cachorros cobrem uma área muito maior que os humanos. Segundo o sargento, um cão percorre 100 metros quadrados em cinco minutos. “A gente gastaria de três a quatro horas para fazer buscas nesse mesmo espaço”, conta.
Tragédias em outros estados
Os cachorros do Corpo de Bombeiros do DF atuaram na localização dos restos mortais do acidente com o Voo 1907 da Gol, em 2006, considerado um dos piores desastres aéreos da história do Brasil. O Boeing da Gol colidiu em um jato Legacy no ar e caiu, na região de Peixoto de Azevedo, a 692 km ao norte de Cuiabá (MT). As 154 pessoas que estavam a bordo, entre tripulantes e passageiros, morreram na queda.
“Eles ajudaram a encontrar os últimos restos mortais. Os bombeiros não achavam de jeito nenhum porque eles estavam embaixo da asa e da turbina”, conta o sargento. Os cães também atuaram no resgate de vítimas nas chuvas na região serrana do Rio de Janeiro e ajudaram a localizar, após três dias de busca, o corpo de um técnico em edificações morto, em 2017, no desabamento de um prédio em Vicente Pires.
O salvamento de afogados também conta com a atuação dos bombeiros caninos. As cerca de 220 milhões de células olfativas dos cães são capazes de reconhecer o cheiro de um cadáver até embaixo d’água. Um corpo submerso libera gases que sobem para a superfície em forma de bolhas. “O cachorro vai à embarcação e late quando sente o odor, sinalizando a localização da vítima para o mergulhador”, explica Wilkerson.
Treinamento
Os cachorros que vão integrar o Corpo de Bombeiros são escolhidos ainda filhotes. “Normalmente é aquele mais ativo da ninhada, o brincalhão, que importuna os outros filhotes”, diz o sargento Wilkerson Ferreira. O treinamento começa quando o cão tem cerca de quatro meses e dura em média um ano e meio. O cão está formado aos dois anos e, normalmente, trabalha até os dez.
Durante o treinamento, o cão passa por aulas de obediência básica, onde aprende a atender a comandos como “junto”, “fica”,“vai” e “volta”. Depois ele é submetido a um controle de alimentação durante o qual só pode comer quando o treinador ordena.
Eles passam ainda pela fase de aceitação do brinquedo. Ganham um tubo de PVC furado com material humano dentro. O tubo fica dentro de um plástico zip para o cachorro não ter contato com material biológico, mas serve para o cão reconhecer o odor de um cadáver.
A última fase do treinamento é a socialização. Os cães são levados a locais com grande circulação de pessoas para se acostumarem com o movimento e o barulho. Nessa fase também são treinados para subir e descer escadas, levados para lugares altos e nadar no lago. “Os cães não podem ter medo de altura e devem latir sempre. É pelo latido que eles nos avisam que a vítima está ali”, diz Wilkerson.
Depois, os heróis caninos passam pelo treinamento específico de busca e salvamento. Os bombeiros que trabalham com os cães também precisam de treinamento especial. Eles devem fazer o curso de busca, resgate e salvamento com cães, que dura três meses e tem atividades de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h.
Heróis nacionais
Zeca, o labrador que já tem dez anos, se aposentou depois da missão. Ele ainda vive no canil do GBS, mas já está de folga, à espera da reforma do canil da casa do seu guia ficar pronta para ter um novo lar. Thor, também labrador, sai da ativa neste ano, e Kikki e Baco, pastores belga de malinois, ainda têm sete e cinco anos a serviço da corporação, respectivamente.
Cerca de 15 dias após a catástrofe de Brumadinho, os bombeiros do DF foram acionados para prestar socorro em Minas Gerais e para lá se dirigiram com os cachorros de busca e salvamento. Os cães mostravam bravura ao entrar na lama para encontrar vítimas. Foram 15 dias de trabalho árduo, começando às 6h da manhã e parando só às 17h30, de domingo a domingo.
Terminado o prazo, o grupo de salvamento retornou ao DF, mas os integrantes acabaram convidados a voltar cerca de um mês depois para a realização de novas buscas. Apenas Thor e Nikky integraram a missão e ficaram lá por mais 15 dias, mas daquela vez os rejeitos de mineração estavam secos e os cachorros ficaram em uma base. Os funcionários da Vale cavavam o barro seco e os cães buscavam restos mortais no material levado até eles.
Quando as equipes voltaram a Brasília, passaram por uma bateria de exames que averiguou possíveis danos à saúde dos heróis, mas todos, tanto cachorros quanto homens – 18 militares também foram enviados ao local – estavam bem.
*Com informações Agência Brasília