Ações pedem devolução de valores ilícitos e pagamento de multas que somam mais de R$ 320 milhões. Denúncias de superfaturamento foram investigadas por desdobramento da Lava Jato.
O Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) apresentou duas ações de improbidade administrativa contra o ex-governador Agnelo Queiroz (PT), o ex-vice-governador Tadeu Filippelli e outras sete pessoas por irregularidades na construção do Estádio Nacional Mané Garrincha, em Brasília.
Segundo o MP, os envolvidos obtiveram enriquecimento ilícito e causaram danos ao patrimônio público do DF. As denúncias de superfaturamento na construção do complexo motivaram a Operação Panatenaico, etapa da Lava Jato deflagrada pela Polícia Federal em 2017 (relembre abaixo).
O Ministério Público também pediu à Justiça o bloqueio de bens dos envolvidos. Os citados nos processos são:
Agnelo Queiroz – ex-governador do DF
Tadeu Filippelli – ex-vice-governador do DF
Nilson Martorelli – ex-presidente da Companhia Urbanizadora da Nova Capital (Novacap)
Maruska Lima de Holanda – ex-presidente da Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap)
Fernando Márcio Queiroz – sócio-administrador da construtora Via Engenharia, que construiu o estádio
Alberto Nolli Teixeira – executivo da Via Engenharia
Pedro Afonso de Oliveira Almeida – executivo da Via Engenharia
Jorge Luiz Salomão – empresário
Luiz Carlos Alcoforado – advogado
A empresa Via Engenharia também é citada nas ações. O MP pede que o grupo sejam condenados a devolver o dinheiro recebido ilicitamente e a pagar multas que somam mais de R$ 220 milhões. Além disso, solicita:
perda da função pública ou da aposentadoria, caso haja;
suspensão dos direitos políticos;
proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais.
As acusações
Inaugurado em 2014, o Estádio Nacional Mané Garrincha custou, ao todo, R$ 1,1 bilhão. Após 25 termos aditivos no contrato, a obra custou 70% a mais que o esperado inicialmente e foi a mais cara entre os estádios construídos no país para a Copa do Mundo de Futebol daquele ano.
Segundo o Ministério Público, "as provas demonstraram que os eventos ilícitos ocorreram desde a estruturação do projeto básico da licitação das obras do estádio até a suplementação do reajustamento do contrato".
"A negociata frustrou o caráter competitivo do certame e foi feita mediante promessa, oferta e recebimento de propina", afirma o MP.
De acordo com a ação movida pelo MP, os representantes da Via Engenharia pagaram propina ao ex-governador Agnelo Queiroz para que ele não colocasse "obstáculos" na obra. Os repasses teriam sido feitos indiretamente, por meio de Luiz Carlos Alcoforado e Jorge Luiz Salomão.
Já o então presidente da Novacap, Nilson Martorelli, e a ex-presidente da Terracap Maruska Lima de Holanda teriam recebido valores ilícitos para influenciar na confecção dos editais da licitação e nas escolha das empresas para a obra.
O que dizem as defesas
À reportagem, a defesa do ex-governador Agnelo Queiroz afirmou que a ação é uma "perseguição política" e que, "em hipótese alguma, houve superfaturamento de obra ou vantagens indevidas".
Já o advogado Luiz Carlos Alcoforado afirmou que a ação é "ridícula, inconsistente, irresponsável, midiática e se acha completamente divorciada da realidade das provas objetivas e materiais que já foram produzidas nos autos da ação penal".
Alcoforado afirma que os delatores do esquema de mentiram documentalmente e que "a deslealdade do MP é uma prova de que ele tem que sofrer uma catarse para cumprir o papel que a lei e a Constituição impõem. É uma vergonha o que o Ministério Público faz contra lei em relação aos fatos que estão escancarados.”
A defesa da Via Engenharia disse que "ainda não foi notificada formalmente sobre a ação, por isso não vai se manifestar".
O advogado de Maruska Lima de Holanda, Thiago Machado, afirmou que "ela é servidora pública concursada há mais de 20 anos, sem qualquer tipo de registro ou anotação negativa".
"Uma ação judicial nada mais é que uma proposta acusatória que precisa ser provada. Servidor público não pode ser confundido com agente político, sob pena de se crucificar aqueles que dedicam sua vida a representar o DF e o País. Apresentaremos defesa e as pertinentes explicações, sempre acreditando e confiando na verdade e na justiça", disse o defensor.
A defesa de Nilson Martorelli, por sua vez, disse que "por ainda não ter tido acesso aos autos da ação, se resguarda, por ora, a não fazer comentários".
Os advogados de Fernando Márcio Queiroz, Alberto Nolli, Pedro Afonso de Oliveira Almeida, Tadeu Filippelli e Jorge Luiz Salomão não haviam se posicionado até a última atualização desta reportagem.
Operação Panatenaico
As investigações sobre as denúncias de irregularidades na construção do estádio tiveram início com a Operação Panatenaico, deflagrada pela Polícia Federal em 23 de maio de 2017. À época, os ex-governadores Agnelo Queiroz, José Roberto Arruda e o ex-vice Tadeu Filippelli foram presos.
A operação foi baseada na delação de executivos da empreiteira Andrade Gutierrez, empresa responsável pela construção do estádio em consórcio com a Via Engenharia. Segundo as investigações, os gestores públicos e privados realizaram um conluio com o objetivo de desviar recursos da obra (veja arte abaixo).
Em abril do ano passado, o Ministério Público Federal denunciou 12 pessoas – entre elas Arruda, Agnelo e Filippelli – pelos crimes de associação criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro. No mesmo mês, a Justiça aceitou a denúncia e os acusados viraram réus. O processo segue em fase de instrução.
Confira, abaixo, quem são os 12 réus nas ações penais ligadas ao Mané Garrincha:
Agnelo Queiroz (PT), ex-ministro do Esporte e governador do Distrito Federal entre 2011 e 2014
José Roberto Arruda (PR), governador do Distrito Federal entre 2007 e 2010. Foi preso preventivamente durante o mandato, por suposto envolvimento em suborno a jornalista e teve o mandato cassado por infidelidade partidária.
Nelson Tadeu Filippelli (MDB), ex-vice-governador na gestão Agnelo. Por oito meses, trabalhou como assessor especial do presidente Michel Temer. Após a prisão, em maio de 2017, ele foi exonerado do cargo.
Nilson Martorelli, ex-presidente da Novacap. Responsável pela execução das obras públicas no DF, foi a Novacap que assinou e monitorou todos os contratos com empreiteiras para a construção do estádio.
Maruska Lima Holanda, ex-diretora de Obras Especiais da Novacap. Funcionária de carreira da empresa desde 1998, ela coordenou a construção do Mané Garrincha como representante do governo.
Jorge Luiz Salomão, empresário do ramo de construção no DF. É citado pelo MPF como um dos "operadores ou representantes para arrecadar sistematicamente o dinheiro das construtoras", no suposto esquema de propina.
Sérgio Lúcio Silva de Andrade, empresário do DF. É citado pelo MPF como um dos "operadores ou representantes para arrecadar sistematicamente o dinheiro das construtoras", no suposto esquema de propina.
Fernando Márcio Queiroz, dono da Via Engenharia. A empresa do DF fazia parte do consórcio que construiu o Mané Garrincha, junto com a empreiteira Andrade Gutierrez.
Afrânio Roberto de Souza Filho, ex-secretário de Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal. Na ação do MPF, ele é citado como "operador financeiro" de Tadeu Filippelli, "conforme o acordo de leniência entre o MPF e a Andrade Gutierrez".
Luiz Carlos Alcoforado, empresário e advogado de Agnelo Queiroz durante o mandato como governador do DF, entre 2011 e 2014.
José Wellington Medeiros, advogado do ex-governador José Roberto Arruda.
Alberto Nolli Teixeira, executivo da Via Engenharia.
*Com informações G1