Foto web
O governo do Distrito Federal anunciou, em meados do mês passado, planos para a construção do Museu da Bíblia a partir de croquis de Oscar Niemeyer produzidos em 1987. Entidades de Arquitetura e Urbanismo do DF manifestaram preocupação com os planos, que podem alterar sensivelmente e preservação do Eixo Monumental da capital federal.
Com orçamento estimado em R$ 63 milhões, o Museu da Bíblia seria construído em um lote no Eixo Monumental, gleba que ainda não existe e cuja criação pode trazer consequências diretas para a preservação do conjunto. Listado como Patrimônio Cultural da Humanidade, Patrimônio Nacional e Patrimônio Distrital, o conjunto de Brasília só pode sofrer alterações se estas forem aprovadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan.
Contabilizando 15 mil metros quadrados, o projeto contará com teatro, cinema, salas de conferência e praça de alimentação, além de espaços expositivos. A edificação tem construção prevista em um projeto de lei de 1991, cuja redação final foi publicada em 1995. De acordo com o governo do Distrito Federal, o museu tem como objetivo de preservar a “memória religiosa por meio da divulgação das sagradas escrituras, promovendo educação e cultura”. As autoridades esperam que o novo museu receba 100 mil visitantes por ano.
A proposta levantou preocupação por parte das entidades profissionais do Distrito Federal. Primeiro, evidentemente, porque a área onde o museu será construído é abrangida pelo Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília - PPCUB e não pode ser alterada sem amplo debate público e parecer do órgão do patrimônio nacional. E, segundo, porque o projeto seria baseado em croquis feitos por Niemeyer há mais de três décadas. Embora reconheçam a importância e genialidade do arquiteto, as entidades deixam clara sua posição ao reivindicar que croquis, esboços ou anteprojetos "não sejam desenvolvidos e levados à execução por terceiros".
Buscando maior alcance das preocupações suscitadas com o anúncio das autoridades do governo do DF, o Colegiado de Entidades Distritais de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal (CEAU-DF) e o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios – Coordenação Distrito Federal (Icomos-DF) divulgaram uma nota pública sobre a construção do Museu da Bíblia em Brasília. Leia-a, na íntegra, a seguir:
Nota Pública
O CEAU-DF – Colegiado de Entidades Distritais de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal vem a público manifestar preocupação com notícia recentemente publicada na imprensa local sobre a construção, pelo Governo do Distrito Federal, do Museu da Bíblia, a ser instalado no Eixo Monumental do Plano Piloto, com base em croqui do arquiteto e urbanista Oscar Niemeyer.
Como se sabe, o conjunto urbano de Brasília é listado como Patrimônio Cultural da Humanidade, Patrimônio Nacional e Patrimônio Distrital.
A qualificação de qualquer obra como Patrimônio Cultural consiste na declaração de interesse público do bem tombado, não podendo ser usada como alavanca para a defesa do interesse privado, inclusive o direito autoral. Do contrário, estaríamos abrindo mão do princípio máximo da administração pública, que é a prevalência do interesse público sobre o privado.
A previsão de implantação de uma nova edificação no Eixo Monumental não pode prescindir do debate amplo e democrático no âmbito do Plano de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília, o PPCUB, instrumento ao qual deve ser endereçada a intenção de execução da obra em questão, sobretudo considerando que sua implantação ensejará a criação de um novo lote no local, o que pode trazer consequências diretas para a preservação do conjunto tombado. O patrimônio cultural da nossa cidade não se encontra bem preservado, com diversos bens culturais tombados à espera de verbas para conservação ou restauro, a exemplo do Teatro Nacional que se encontra fechado desde 2014.
Defendemos que a construção de qualquer edificação de grande porte conduzida pelo poder público seja elaborada com amplo debate democrático sobre sua conveniência e caráter, bem como sobre as modalidades de contratação e execução do projeto e da obra. Caso não seja possível a elaboração dos projetos pelas equipes de técnicos dos órgãos competentes, projetos de arquitetura devem ser contratados preferentemente por concurso público.
Recomendamos que toda obra pública ou em área de interesse público, como o Museu da Bíblia, seja avaliada com o cuidado e a responsabilidade que uma intervenção dessa natureza enseja, sobretudo por meio de um debate amplo e transparente com a sociedade, sem o qual se torna impossível promover o direito à cidade e preservar nosso patrimônio para as gerações futuras.
Como entidades defensoras da arquitetura, do urbanismo e do valor cultural da cidade, reconhecemos, sem qualquer dúvida, que o gênio criativo de Oscar Niemeyer é central na construção de Brasília e em sua valoração como obra universal.
Acredita-se, no entanto, que a autoria se estende por todas as etapas do processo de projeto e construção de um bem. Por isso, em deferência e reconhecimento à importância da obra de nossos grandes arquitetos e artistas, estas entidades recomendam que croquis, estudos preliminares, anteprojetos etc. de autores falecidos, conquanto sejam valiosos registros de sua inventividade, não sejam desenvolvidos e levados à execução por terceiros – qualquer que seja sua relação com os autores originais – sob patrocínio do Poder Público como se fossem obras dos criadores primevos.
Todo autor tem o direito de encerrar a sua obra.
Assinam esta Nota Pública:
- Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Distrito Federal (CAU/DF);
- Sindicato dos Arquitetos do Distrito Federal (Arquitetos-DF);
- Instituto dos Arquitetos do Brasil – Departamento Distrito Federal (IAB-DF);
- Associação dos Escritórios de Arquitetura (AeArq);
- Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura e Urbanismo (ABEA);
- Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas (ABAP-DF);
- Federação Nacional dos Estudantes de Arquitetura e Urbanismo – Departamento Distrito Federal (Fenea)
- Conselho Internacional de Monumentos e Sítios – Coordenação Distrito Federal (Icomos-DF)
*Com informações CAU-DF