Alvo de críticas, proposta em tramitação na CLDF permite que prédios da região passem dos atuais 12m de altura para 15m projeto de lei complementar (PLC) que muda normas de gabarito e flexibiliza o uso do Setor de Indústrias Gráficas (SIG), enviado à Câmara Legislativa pelo GDF, fere a Lei Orgânica do Distrito Federal (LODF) e é inconstitucional. O artigo 247 da Carta Magna do DF impede qualquer alteração no conjunto urbanístico de Brasília. O PLC, batizado de Lei do SIG, permite que prédios da região passem dos atuais 12 metros de altura para 15 metros, ou seja, de quatro para cinco andares. Em 1996, a Emenda 11 à Lei Orgânica, aprovada por unanimidade em plenário, estabeleceu que a área tombada deve permanecer “nos termos dos critérios vigentes quando do tombamento de seu conjunto urbanístico, conforme definição da Unesco, em 1987”. Mudanças só podem ser feitas por emenda à Lei Orgânica. A emenda promulgada pela Câmara Legislativa é de autoria do então deputado distrital Luiz Estevão.A Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação (Seduh) alega que o PLC está amparado por outra emenda aos atos transitórios da Lei Orgânica nº 49/2007. O texto dessa emenda, entretanto, não trata da área tombada. O artigo 56 permite o projeto de lei complementar como instrumento de mudança, mas somente em casos de ausência de Lei de Uso e Ocupação do Solo (Luos): “Até a aprovação da Lei de Uso e Ocupação do Solo, o governador do Distrito Federal poderá enviar, precedido de participação popular, projeto de lei complementar específica que estabeleça o uso e a ocupação de solo ainda não fixados para determinada área, com os respectivos índices urbanísticos”. Pelo texto do artigo 56, qualquer alteração só seria cabível caso não houvesse a Lei de Uso e Ocupação do Solo. Ocorre que a norma, conhecida como Luos, está em vigor desde fevereiro de 2019. Além disso, a lei não pode tratar da área tombada de Brasília, destinando-se apenas às demais regiões administrativas. O PLC tramita em regime de urgência e pode ser aprovado em plenário sem passar por comissões – entre as quais, a de Constituição e Justiça, que analisa a legalidade da proposta. A aprovação precisa de maioria absoluta, ou seja, 13 votos (metade dos distritais mais um). Já as propostas de emenda à Lei Orgânica (Pelos) precisam de maioria qualificada: 16 votos.
Livro do Tombo Histórico
Por fazer parte do Plano Piloto, o SIG leva o selo de área tombada. Por isso, a iniciativa se mostra tão temerária. Ao alterar as regras de ocupação do setor e de altura das edificações, o GDF inaugura oficialmente a possibilidade de que a mesma ação se repita em qualquer um dos outros locais centrais de Brasília. Na avaliação de especialistas e defensores da região administrativa, o projeto de lei complementar abrirá porta para a desconfiguração de Brasília como foi planejada e construída. A proposta do Plano Piloto rendeu à cidade reconhecimento em todo o mundo e o título de patrimônio cultural da humanidade. O SIG faz parte do Conjunto Urbanístico de Brasília inscrito no Livro do Tombo Histórico em 14 de março de 1990, sob o número 532. O tombamento foi regulamentado pela Portaria nº 314 do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), de outubro de 1992, e detalhado pela Portaria mº 166, publicada pelo mesmo órgão, já em 2016. O registro é o escudo de Brasília, garantido por lei. “Minha impressão é de que, suavizando aos poucos, aqui e ali, o governo começa a permitir exceções que podem acarretar em perdas irrecuperáveis à cidade, que detém o título de Patrimônio Cultural da Humanidade”, pontua Aldo Paviani, referência em planejamento urbano e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB). Para a integrante do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (Icomos), órgão vinculado à Unesco, Mônica Veríssimo, as autoridades se valem da tática de fasear as alterações, o que pode ocasionar grandes transformações com efeitos irreparáveis na capital federal: “As mudanças de destinação estão sendo feitas de maneira picada, o que não evitará a desconfiguração do tombamento da cidade”. A pressa do GDF para alterar usos e normas de ocupação do SIG contraria especialistas e entidades de arquitetura e urbanismo, colocando em evidência a sobreposição de prioridades da população em razão de interesses de um seleto grupo. De 68 lotes consultados pela reportagem em escrituras do Cartório do 1º Ofício do Registro de Imóveis, 44 pertencem a seis grupos empresariais ou instituições privadas, segundo dados da Receita Federal do Brasil. Os terrenos fazem parte, de acordo com o Fisco, do patrimônio da família de Pedro Camilo Valadares Gontijo, da Vagon Engenharia Civil; de Fernando Costa Gontijo, da Imperial Gold Participações Imobiliárias; de seis integrantes da família Skaf, proprietária da Soheste Empreendimentos Imobiliários; do empresário Paulo Octávio; do Correio Braziliense; e de Edson Elias Alves da Silva, proprietário da EEE Empreendimentos. Soma-se a esse núcleo de poderosos um pool de advogados que mantêm escritórios em prédios no SIG, como o Edifício Barão de Mauá, na Quadra 4. As mudanças dão a eles o direito de ampliarem suas atividades e adicionarem mais andares aos prédios já existentes.