Milhares de motoristas insistem em não seguir recomendações e dirigir depois de beber mesmo com multa alta, risco de prisão e notícias frequentes de acidentes graves motivados pela combinação álcool e direção. O Departamento de Trânsito (Detran) fez um levantamento que relata que, nos primeiros cinco meses de 2019, mais de 10 mil condutores foram autuados e 794, presos por descumprir a lei seca. Por dia, em média, 71 pessoas são autuadas, sendo que cinco acabam presas após blitzes do Detran, da Polícia Militar e do Departamento de Estradas de Rodagem (DER).
Paralelo a isso, segundo dados do Detran, 568 motoristas da capital federal foram autuados pela lei seca por quatro ou mais vezes. Flagrado 12 vezes, um condutor de 48 anos, que não teve a identidade revelada pelo órgão, é recordista na reincidência, dirigindo alcoolizado. Em cada uma das ocorrências, guiava um veículo diferente e cometeu as infrações entre 2009 e 2017.
Foi registrado no DF mais um caso em que a mistura entre álcool e direção no sábado que resultou em morte. Altamente alcoolizado — com teste do bafômetro indicando 0,77mg de álcool por litro de ar expelido pelos pulmões —, Edésio Rodrigues da Silva, 57 anos, atropelou e matou a ciclista Cleunice Rosa de Souza, 49 anos, próximo ao Morro da Capelinha, em Planaltina. Ele foi preso, mas nesta segunda-feira (1/7), depois de audiência de custódia, ganhou a liberdade sem pagamento de fiança. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) pediu a prisão preventiva do acusado. No entanto, a juíza responsável pelo caso, Lorena Alves Ocampos, atendeu às solicitações da defesa para que Edésio tivesse liberdade provisória concedida.
Apesar de dirigir embriagado e de ter provocado o acidente fatal, no entendimento da magistrada, não havia necessidade de manutenção da prisão, pois Edésio é “tecnicamente” réu primário, tem residência e emprego fixo no Distrito Federal e não apresenta indicativo de que vá “perturbar gravemente a instrução criminal”.
Outro acidente, desta vez, sem vítimas, foi provocado por um motorista alcoolizado na madrugada desta segunda-feira (1/7). O motorista transitava em uma pista da Estrada Parque Núcleo Bandeirante (EPNB) na contramão e só parou ao bater em uma quadra poliesportiva da região. Um sargento da PM que passava pelo local abordou o motorista e, ao observar sinais de consumo de álcool, o encaminhou para a 11ª Delegacia de Polícia (Núcleo Bandeirante). O condutor foi autuado por embriaguez ao volante e dano ao patrimônio público.
Impunidade
A sensação de impunidade que prevalece entre os motoristas, talvez seja a causa de tantas reincidências, é o que acredita o sociólogo pela Universidade de Brasília (UnB) e especialista em educação e segurança no trânsito Eduardo Biavati. “Nós só conseguimos mudanças quando a pessoa percebe que não vale a pena enfrentar a fiscalização e os riscos, quando as pessoas imaginam que a transgressão terá um custo. Se elas se arriscam e nada acontece, fica a sensação de que compensa pagar para ver”, relata.
“Houve avanços na legislação e na fiscalização, mas as ações são sempre pontuais e não são capazes de dar um passo adiante na questão”, avalia. Melhores resultados viriam, segundo ele, com uma visão ampla do problema, pois alguns países, há medidas para encarar também como um problema de saúde pública. “As pessoas precisam, além das multas, passar por tratamentos compulsórios para cuidar do que levou à infração”, exemplifica.
Dor infindável
Acidentes provocados por motoristas alcoolizados destroçam famílias e deixam marcas permanentes. É o caso da revisora Fabrícia Gouveia, 49, que perdeu o marido e a sogra em 2017. Ricardo Clemente Cayres, à época com 46 anos, e a mãe dele, Cleusa Maria Cayres, 69, morreram após ter o carro atingido, na L4 Sul, por um veículo conduzido por motorista alcoolizado que, supostamente, participava de um racha.
Fabrícia diz que a dor não cessa quase dois anos depois do acidente. “A falta só aumenta a cada dia. Não tem um limite para esses danos emocionais. Eles não passam. São várias famílias, vários amigos, várias pessoas que sentem falta deles e que não conseguem seguir em frente”, desabafa.
Um dos acusados, que teria participado do racha, foi inocentado da acusação de homicídio doloso por, no entendimento do juiz, não ter participado diretamente do acidente. Para Fabrícia, a sensação que fica é de que a legislação não é suficiente e que as pessoas não entendem o crime de trânsito como crime de fato. “A lei existe, mas o entorno dela tem muitas brechas. Quando você vê as coisas caminhando assim, perde um pouco da esperança”, lamenta. O caso segue na Justiça.
Educação prioritária
O Departamento de Trânsito (Detran) diante dos números preocupantes, intensificou as campanhas educativas para tratar dos riscos da direção combinada com bebida. Atualmente, equipes do órgão focam em ações em bares da capital. O diretor de Educação no Trânsito do Detran, Marcelo Galvão, explica que a ideia é sensibilizar as pessoas do risco. “Entregamos material educativo, damos informações, mas o momento mais importante é o debate que a gente acaba suscitando nas mesas”.
Equipamentos que mostram, na prática, o que muda no corpo sob efeito do álcool também são usados como preventivos pelas equipes. “Temos um óculos que distorce a visão para mostrar como seria depois de beber para a pessoa ter noção da mudança”, acrescenta. De acordo com Marcelo, as análises mostram que o motorista que bebe e dirige, possui a sensação de que ele tem controle sobre a situação. “Por isso, o foco é mostrar as consequências. Tentamos demonstrar para a pessoa o que ela pode vivenciar e deixar claro que, por mais que ela queira, não tem domínio de como estará ao dirigir depois de beber”, esclarece.
As campanhas educativas são fundamentais no processo de conscientização, mas é preciso que não sejam ações isoladas, segundo o especialista em educação e segurança no trânsito Eduardo Biavati, “É o tipo de assunto que não dá para se falar somente uma vez por ano. Essa é uma ferramenta que está disponível e pode ajudar, mas que precisa ser mais usada”, alega.
A Lei
De acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, dirigir sob influência de álcool é infração gravíssima. O condutor que for pego com níveis acima de 0,3 mg/litro pode ser preso, ter o veículo retido e a Carteira Nacional de Habilitação suspensa por um ano. A multa para os motoristas que cometerem a infração é de R$ 2.934,70. Em caso de reincidência em até 12 meses, a multa é dobrada e alcança o valor de R$ 5.869,40. Em 2019, a Lei nº 11.705, conhecida como lei seca, completou 11 anos.