Dedicados funcionários são responsáveis diretos pelo cuidado dos bichos, que, segundo eles, retribuem todo o carinho recebido
Com uma frase emblemática — “Eles cuidam de mim, e eu cuido deles”—, Luiz Inácio Rosa Ribeiro, de 57 anos, o tratador mais antigo na Fundação Jardim Zoológico de Brasília, resume seu trabalho. São 40 anos dedicados a criar animais, que — ele garante — retribuem todo o afeto recebido.
A rotina agitada envolve dar comida, fazer a limpeza do recinto e garantir aos bichos uma vida saudável, com momentos de descontração e prazer. “Eles são praticamente minha vida”, diz.
Para o tratador, o mais importante é cuidar dos animais com respeito e entender o hábito de cada um. Hoje lotado no micário (recinto dos macacos), Luiz só ainda não cuidou das borboletas. Ele conta que faz de tudo para agradar os companheiros.
Há apenas dois meses cuidando dos primatas, o brasiliense já aprendeu, inclusive, a entender os momentos de irritabilidade tanto dos machos quanto das fêmeas. “Eles ficam um pouco agressivos quando estão no cio e elas quando estão prenhas.”
Mesmo há pouco tempo lá, o responsável pelo cuidado direto dos macacos é recebido com festa. “Chego aqui de manhã, e eles já vêm todos para a grade. Isso é muito gratificante.”
A história preferida, que Luiz conta guardar sempre com carinho, mostra bem essa troca entre bichos e funcionários. Há alguns anos, ele e alguns colegas ajudaram uma lhama resgatada de um circo, que já não conseguia andar, a recuperar os movimentos.
Eram horas durante o dia segurando o animal pela barriga para que ele reaprendesse a caminhar. Tempo depois, quando a lhama já estava recuperada, Luiz teve uma grata surpresa quando foi alimentá-la.
Ele ficou de costas para um veado catingueiro que tentou acertá-lo. “A lhama entrou na minha frente para me defender. Consegui colocar a comida e sair, tranquilamente”, conta, emocionado, ao ressaltar que leva lembranças de vários animais dos quais cuidou.
O tratador já virou noites cuidando da saúde dos bichos. Ele diz que sente saudade quando precisa tirar férias. “Quando eu me aposentar, vou sentir muita falta deles. Quando criados com amor, assim, eles são mais sinceros que o ser humano”, avalia.
Uma das perdas que precisou superar, nesses 40 anos de profissão, foi a do leão Dudu, nascido e criado no zoo de Brasília. O felino morreu aos 22 anos, em junho de 2016. “Eu o criei até nascer juba. Ele lambia meu rosto com aquela língua áspera e me deixava fazer carinho.”
De acordo com os veterinários do zoo, Dudu não poderia ser levado para a natureza exatamente por conta do contato com tratadores. A convivência acostuma o bicho e o torna dependente de humanos para sobreviver.
Cuidado inclui comida na boca e cafuné
O cardápio de quem faz por merecer o título de mais simpática entre os tratadores inclui itens como rapadura, cenoura e banana. Tucha é uma zebra de 20 anos que está no zoo desde 1998 e coleciona elogios.
Com duas refeições diárias, ambas antes das 11 horas, ela pega alimentos das mãos de Diego Souza, de 31 anos, e Demétrio Pereira Júnior, de 37. “Ela, sem dúvida, é a mais carinhosa”, constata o mais velho.
A zebra costuma ser mansa com outros cuidadores, mas tem uma intimidade diferente com os dois, que a acompanham diariamente. “Eles chegam e ela já vai até eles, atende quando chamam, pede carinho”, conta Juraci da Rocha, também cuidador na Galeria África.
Juraci é um dos responsáveis pelas hipopótamos fêmeas. É só encostar na cerca que elas se aproximam para receber cafuné. “Gostam de carinho”, revela.
Chumbinho, Bárbara, Catarina e Yuli, como são chamadas, gostam da regalia de receber comida na boca. O cardápio inclui, principalmente, frutas, às 9 horas, e feno ou capim triturado, uma hora e meia depois.
São sete cuidadores no grupo do qual Juraci, Diego e Demétrio fazem parte. Eles são responsáveis ainda pelos elefantes, o rinoceronte e as girafas.
No caso das girafas, o grupo percebeu que gostam de algo semelhante à acupuntura, e amarram galhos com alguns pequenos espinhos na cerca, onde elas ficam passando o corpo. “É bom para tirar o estresse”, explica Demétrio.
Filhotes de grandes felinos passeavam de coleira
O que não faltam a Antônio Paulo Soares, de 54 anos, são histórias. Atualmente chefe da área que cuida do paisagismo no Zoológico de Brasília, ele veio de Minas Gerais aos 18 anos, quando conseguiu seu primeiro emprego: tratador de animais.
Ao lado de quatro companheiros, era responsável pelo cuidado dos grandes felinos e dos grandes primatas, que hoje não habitam mais o zoo. “Eu criei uns 140 filhotes entre tigres, onças e leões”, conta orgulhoso. Foram mais de 30 anos na função, antes de assumir o novo cargo, em 2012.
O tempo rendeu um histórico que, ele garante, qualquer pessoa apaixonada por bichos gostaria de ter. “Poucas pessoas no mundo viveram o que eu vivi aqui.” O cuidado atencioso do antigo tratador permitiu que o Zoológico, na época em que ele estava na ativa, não perdesse nenhum filhote dos felinos.
Ele sabia quando as fêmeas estavam prestes a entrar no cio e quando iriam parir. “Já as deixava na área de retenção para não ter o risco de nenhum acidente”, conta. Entender hábitos dos animais é essencial para evitar que eles caiam nas piscinas ou até sejam mortos pelos adultos, por exemplo.
A dedicação com que cuidava dos filhotes é evidente no olhar do experiente tratador, que diz ter passado mais tempo no zoológico do que em casa. Na rotina que estabeleceu com os animais, ele conta que tinha até passeios de coleira para que tomassem banho de sol, isso quando os bichos tinham até seis meses de vida.
Mesmo na fase adulta, os felinos costumavam reconhecer os comandos de Antônio. “Eu passava por fora do recinto chamando o nome deles e eles acompanhavam.”
Para ele, todo esse carinho que os bichos lhe demonstram é uma forma de agradecer o cuidado regado de muito amor.
O Zoológico tem 40 tratadores, responsáveis pelos 807 animais que vivem no local.